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Entendendo o problema (parte II): (ir)responsabilidade fiscal

10/12/2014

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Na postagem anterior (parte I), destacamos os principais conceitos que permitem compreender de que se trata a manobra fiscal do Governo, aprovada nesta semana (9 dez.). Vejamos agora a segunda parte, e final, desta explicação, no intuito de clarear o entendimento do que se anda noticiando.

Confirmatio
Normas vigentes
Na parte I, foi mostrado que o superávit primário é o valor dos recursos destinados ao pagamento dos juros da dívida pública. Mostra o esforço do governo em pagar o preço de ter uma dívida de tal monta. A LRF manda que o Poder Executivo estabeleça metas de superávit primário na chamada lei de diretrizes orçamentárias. Essa lei é como se fosse uma referência para a elaboração da lei orçamentária que ocorrerá em seguida. Veja que essas metas passam a ser componente legal, vinculando o Executivo no seu cumprimento.
Essa vinculação está tratada no artigo 85 da Constituição de 1988, que afirma ser crime de responsabilidade do Presidente da República atos que atentem contra a lei orçamentária (inciso V). Assim, uma vez inserido na lei de diretrizes um número, ele passa a vincular a autoridade máxima do País, sob pena de ser julgado por crime de responsabilidade, o que, dependendo da gravidade do ocorrido, pode resultar mesmo em impeachment (artigo 86 da Constituição).

Fatos observados
O ponto que tantos analistas afirmam é que, desde há alguns anos, o Governo Federal tem tido dificuldades em cumprir a meta. Contou com alguns truques contábeis (que, apesar de parecerem enganosos, foram feitos dentro da legalidade), como a distribuição de lucros de empresas estatais e a exclusão de certas despesas sob a 
“justificativa” (acho mesmo que é desculpa esfarrapada) de que foram despesas com o intuito de promover o crescimento do País, como aquelas do Plano de Aceleração do Crescimento (piada que já começa no nome) ou algumas exonerações tributárias. Com esses truques, conseguiu atingir a meta “no sufoco”. Mas este ano o caldo entornou.
Entornou porque este ano não houve entrada extraordinária de recursos por causa de venda de pré-sal. Porque este ano não trouxe o boom de crescimento esperado pela Copa do Mundo (pelo contrário, decepcionou todas as expectativas em torno desse evento). Porque o governo ainda conta com políticas baseadas em teorias das décadas de 1940 e 1950 para tentar promover o desenvolvimento econômico do País. Aí, chegamos a novembro com déficit primário acumulado no ano, e com promessa de entregar, em dezembro, um superávit de R$ 100 bilhões. Como fica?

A solução mágica
A solução encontrada foi enviar, em pleno mês de novembro, um projeto de lei que muda a lei de diretrizes orçamentárias, colocando como meta de superávit o número que o governo acha que conseguirá atingir até dezembro. Sim, é isso mesmo que você leu. Faltando um mês para acabar o ano, o Governo Federal enviou ao Congresso uma lei dizendo quanto que conseguirá economizar de verdade. Apenas para dizer que “acertou na mosca” a meta! Ficou mais bonito na fita? O mercado vai avaliar melhor o País por isso? Esperem… não é bem assim!

O mercado e a reputação
Como o mercado reage a um descumprimento de meta de superávit fiscal? Ora, como esperado: baixa a avaliação da segurança econômico-financeira do país, reduz o volume de investimentos e passa a exigir um retorno maior por causa do maior risco percebido. E como o mercado deve reagir, agora que o governo cumpriu a meta, só que de mentirinha? Da mesma forma! Isso mesmo. Não vai fazer diferença nenhuma. A diferença é que, agora que a lei foi aprovada, não se poderá mais acusar a Presidente de crime de responsabilidade. Só isso. Ou seja, o estrago na reputação nacional lá fora já está feito. Apenas se conseguiu livrar a cara de quem é o verdadeiro culpado por esse estrago.

E como se pagará a diferença?
Já foi afirmado na parte I que a principal fonte de financiamento dos gastos do governo são os tributos. É possível, porém, financiar-se com dívida. A dívida pode ocorrer de duas maneiras.
A primeira maneira é a dívida prevista no orçamento. Pode parecer meio contraditório um orçamento já prever uma dívida, pois dá a impressão de que está faltando receita para cobrir as despesas. Ocorre que, todo ano, o governo faz investimentos vultosos em determinadas áreas estratégicas. Tais investimentos representam (em tese, na realidade quase nunca) um avanço na capacidade produtiva do País, justificando um gasto mais concentrado. Em outras palavras, o governo toma recursos emprestados, mas na expectativa de melhorar a capacidade produtiva do País, promovendo crescimento do produto e conseqüente aumento na capacidade de tributação e obtenção de recursos para cobrir o preço dessa dívida.
Assim, é possível tomar uma dívida de maneira saudável, se essa dívida for para investimentos. Essa é a chamada regra de ouro das Finanças Públicas, e está, legalmente, consubstanciada no artigo 12, § 2.º da Lei de Responsabilidade Fiscal (ler aqui).
Mas, quando o governo não consegue superávit para pagar os juros de sua dívida, não adianta mudar a lei orçamentária: a diferença tem de ser coberta, e o será via dívida. O problema é que é uma dívida fora do orçamento. Não está justificada pelo manto da regra de ouro. Logo, é uma dívida ruim.
Imagine uma empresa que toma um empréstimo no banco. Se for um empréstimo para ampliação, aquisição de novas máquinas etc., é um investimento. É um empréstimo que pode (e deve) gerar um lucro maior que os juros pagos ao banco. É uma boa dívida. Mas, se a empresa estiver contratando o empréstimo para pagar, digamos, os salários de seus empregados, é uma dívida suja. Imunda. Afinal, isso reflete que as atividades da empresa não estão sendo suficientes nem mesmo para as despesas básicas. Quando a empresa conseguirá pagar os juros desse empréstimo (que, afinal, são apenas mais uma despesa de uma empresa que não paga nem as que já tem)? E o capital emprestado, então???

Peroratio
A dívida gerada pelo déficit primário é uma dívida deste segundo tipo. É uma dívida que mostra que o governo não está conseguindo nem mesmo cobrir suas despesas rotineiras. Ou seja, o País será prejudicado em sua avaliação pelo mercado também por isso.
A conclusão a que se chega é que o governo foi incompetente em cumprir sua meta. Não conseguiu entregar o que prometeu. O mercado vai cobrar seu preço, e quem tem a verdadeira culpa se safou com uma manobra muito sem vergonha. Essa é a análise mais realista dos fatos. Esperamos que tenha ficado mais claro ao bonus paterfamilias toda essa leréia que corre pelos jornais sobre o assunto.

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Entendendo o problema (parte I): superávit primário

8/12/2014

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Foi muito falado, nessa semana que passou, o que o noticiário chamou de “manobra fiscal” do Governo Federal para burlar o cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar n.º 101/2000). Com o intuito de deixar claro aos quatro leitores deste blog do que se trata essa discussão, e também para que esses leitores não tenham de ouvir de petistas que não foi manobra, nada, e que a “mídia golpista” está manipulando os fatos (e não está, foi mesmo uma sacanagem, uma mudança de regras no meio — ou seria no fim? — do jogo), sem saber a devida resposta, será apresentada aqui uma explicação.

Exordium
Vou dividir a explicação em duas postagens. Nesta primeira, deixarei claro quais são os conceitos econômicos por trás dos eventos mencionados. Na segunda, mostrarei como a lei manda que as coisas sejam feitas e como o foram efetivamente.

Narratio
O sistema econômico como um todo é composto de quatro tipos de agentes. O primeiro são agrupados sob o nome de famílias, e agrupa o conjunto das pessoas físicas, consumidoras de bens e vendedoras de sua força de trabalho. Em outras palavras, são as pessoas que executam as ações humanas, conceito-chave para a compreensão da ciência econômica.
O segundo tipo são as firmas, que são estruturas produtivas, que visam a transformar um conjunto de bens A em outro conjunto de bens B, pela aplicação dos fatores de produção fornecidos pelas famílias. Cabe frisar que as firmas nada mais são que ambientes em que as mesmas pessoas que compõem as famílias exercem suas atividades referentes ao processo de produção.
O terceiro tipo é o agente gerador de distúrbios, o governo. O governo é o conjunto das instituições que visam a resolver os problemas que nunca existiriam se essas instituições não existissem. Também tem seus atos levados a cabo pelas pessoas que compõem as famílias, mas com um sistema um tanto diferente daquele das firmas.
O quarto tipo é o que se convencionou chamar resto do mundo. Basicamente, é o conjunto das famílias, firmas e governos dos outros países.
A discussão desta postagem e da que segue é sobre as atividades do terceiro agente, o governo.
O governo, para exercer suas atividades, realiza despesas. Portanto, deve haver um meio de financiá-las. Esse financiamento vem de duas fontes principais: tributos (roubo à mão armada do patrimônio dos cidadãos) e dívida (por meio da emissão de títulos da dívida pública ou contrato de dívida com bancos). A contração de dívidas traz em si um problema que é fácil enxergar: a obrigação de pagamento de remuneração ao valor emprestado, ou seja, juros. Por isso, a principal meta do governo é evitar ao máximo recorrer à dívida.
Para que não haja aumento da dívida pública, é necessário que as receitas auferidas (principalmente, mas não só) por tributos, no mínimo, sejam iguais às despesas. Esse equilíbrio é definido no orçamento. Aí começam alguns problemas conceituais.
Como todo governo já carrega um lote de dívidas, é parte das despesas orçadas todo ano o pagamento de juros referente a essas dívidas. Esses juros, se não forem pagos, serão embutidos na dívida, e passarão a compor um endividamento maior e causar um pagamento maior de juros para o futuro. Já dá para saber aonde isso vai chegar, né? Por isso, o primeiro conceito da diferença entre receitas e despesas públicas se refere exatamente à capacidade de pagar os tais juros. Vejamos.
Em economês, quando um conjunto de receitas supera um conjunto e despesas, dizemos que há superávit. Caso ocorra o contrário, há déficit. Bem, considere todas as receitas e despesas do governo no período de um ano, excluindo as chamadas “financeiras”. Essas receitas e despesas financeiras se referem principalmente aos juros! Então, exclua das receitas eventuais juros a ser recebidos pelo governo no período, e exclua das despesas os juros que deverão ser pagos. A diferença entre essa receita e essa despesa é o chamado superávit primário (quando positivo; quando negativo, é déficit primário). Esse superávit representa o que restou das receitas para pagar os juros líqüidos devidos pelo governo (ou seja, a diferença entre os juros devidos e os juros a ser recebidos).
Esse superávit primário, então, será diminuído do montante dos juros líqüidos que o governo deverá pagar. O resultado, se ainda for positivo, será chamado superávit nominal. Caso seja negativo, será déficit nominal. O déficit nominal também é chamado de necessidade de financiamento do setor público (NFSP). Perceba que ele já indica aumento da dívida pública.

Link para a parte II.
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    Cristão, economista, professor de Matemática e libertário. Isso basta.

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